Guias Espirituais:
Eles tiveram uma vida difícil, foram discriminados e punidos por suas diferenças étnicas e sociais, mas hoje habitam os Céus e orientam a humanidade com sua sabedoria. Conheça os espíritos conselheiros da Umbanda.
Em um reino encantado dos Céus chamado Aruanda, um espaço mítico onde se preza a paz, a liberdade e a sabedoria, existe um povoado espiritual de idosos, jovens e crianças que visitam a Terra para acalentar o coração aflito dos humanos. Invocados por meio de orações, leituras bíblicas, cânticos e toques de tambores, esses seres divinos deslocam-se de sua morada celeste para incorporar em alguns filhos de fé e, por intermédio deles, operar curas físicas e espirituais. Conhecidos na Umbanda como a idade de pretos-velhos, caboclos e crianças, eles seriam espíritos de luz que um dia foram humanos e, depois de uma vida de sofrimentos e provações, desencarnaram e tornaram-se ajudantes dos orixás (os deuses das energias cósmicas) e de Olorum (ou Zambi), o criador do Universo.
A Umbanda acredita que os integrantes desta idade espiritual atuam como guias da humanidade. Eles remetem às diferentes fases da vida e teriam a função de orientar os fiéis com os atributos de cada etapa.
"A criança simboliza a pureza, resolve as coisas sem preconceitos. Os caboclos têm o vigor, a força e o arrojo da nossa fase jovem e adulta. E os pretos-velhos representam sabedoria, paciência e tranqüilidade".
Essas entidades também são vistas como precursoras da nação brasileira. Suas histórias, segundo estudiosos, reconstituem as mazelas do período colonial e a dura batalha entre imigrantes europeus e povos "de cor". "São, sobretudo, estereótipos do brasileiro, das imagens que se fixaram na história oficial e na cultura popular do País", afirma o sociólogo Lísias Negrão, da USP.
O preto-velho simboliza os escravos africanos, tirados à força de seu continente e vendidos aos brancos para trabalhar nos engenhos de cana-de-açúcar. Os caboclos espelham os milhares de Índios dizimados pelos colonizadores por lutarem em defesa de suas terras. Com o surgimento da Umbanda, há cerca de oitenta anos, essas duas raças tornaram-se símbolos de veneração entre os fiéis. "Ocorre uma inversão simbólica da condição social dos negros e Índios, historicamente oprimidos e cujos descendentes foram os criadores desta religião", afirma Lísias.
Já os espíritos das crianças indicam aqueles que morreram cedo, vítimas de epidemias e da alta taxa de mortalidade infantil que perdurou, principalmente, até a década de 40. Mais do que figuras do passado, a tríade da Umbanda ainda representaria alguns segmentos marginalizados pela sociedade atual. "O negro sofre discriminação por ter uma história de escravidão; o velho e a criança, por não serem produtivos economicamente; e o Índio, por não ser 'civilizado', afirma o psicoterapeura José Jorge de Morais Zacharias, da Associação Junguiana do Brasil.
Mas o sofrimento e a opressão não teriam causado rancor a essas almas, que se dedicaram a ajudar a humanidade. Em sua nova condição, são procuradas para oferecer apoio àqueles que enfrentam dificuldades na vida. Antes excluídas, eles então se divinizaram na forma de um sábio vovô, de um valente Índio e de uma ingênua criança. "São representações de imagens arquetípicas, ou seja, de símbolos comuns à psique humana, mas com uma linguagem mais próxima à realidade brasileira, afirma o psicoterapeuta.
"O velho sábio, por exemplo, pode surgir como um negro escravo que, com sua paciente submissão à tirania dos senhores, adquiriu sabedoria, paciência e profunda espiritualidade." É o caso da "vó" que "baixa" num terreiro de Joinville, Santa Catarina. "Ela era uma escrava parteira e hoje nos traz conselhos", diz a mãe-de-santo Jacila Barbosa, da Casa de VÓ Joaquina. Enquanto a médium reza, a preta-velha toma seu corpo sem alarde, apóia-se numa bengala, senta-se num banquinho, fuma um cachimbo e, com fala enrolada, transmite mensagens aos "netos". Em seguida, ela puxa seus "pontos cantados" (cantigas que recordam os tempos de escravidão) e mexe em folhas de arruda e guiné para curar dores e machucados dos devotos.
Os caboclos e as crianças também se apresentam cercados de elementos simbólicos, ligados às matas e à infância, para expressar seu poder. "Os caboclos apresentam muitas facetas do herói guerreiro e as crianças são o arquétipo da eterna inocência", afirma José Jorge. Incorporados, os espíritos indígenas (nativos ou mestiços de índios e brancos) soltam um grito de guerra e dançam como se estivessem caçando com arco e flecha.
Seriam especialistas na medicina mágica, praticada com ervas, pós e folhas, e no uso do fumo, considerado um estimulante para o contato com o mundo espiritual. As crianças, quando incorporadas nos devotos adultos, correm pelo terreiro e pedem brinquedos e doces, que utilizariam para manipular as energias do ambiente. "Quem vê, pensa que é um bando de loucos, mas eles descontraem e fazem as pessoas com carga energética muito pesada esquecerem os problemas", afirma mãe Márcia.
Aos poucos, a Umbanda ampliou o leque de suas entidades com a veneração dos oprimidos ciganos do Oriente - que se distribuem pelo mundo com seu estilo de vida libertário -, profissionais pouco reconhecidos, como boiadeiros e marinheiros, e brasileiros de regiões distantes do centro econômico do País, como cangaceiros e baianos.
Num mundo mais próximo dos humanos, a religião conta com exus e pombagiras, qualificados para auxiliar na resolução de problemas terrenos, como dificuldades com emprego e sexo. ''A Umbanda representa, com suas entidades, diferenças raciais e étnicas, profissionais, regionais, de gênero e idade e, inclusive, morais", diz o sociólogo Lísias. "Por meio delas, traz esperanças de proteção, de solução dos problemas cotidianos e de superação dos males." Dessa mescla de personagens, cada qual com sua história e personalidade, criou-se um grupo de espíritos que celebra o convívio pacífico com as diferenças, onde todos têm algo positivo para oferecer.
1 - CABOCLO:
A força, o desprendimento e o espírito guerreiro são considerados seus melhores atributos. Ele representa os índios nativos brasileiros e também os mestiços de índios e brancos. Geralmente alegre, expressa sua cultura por meio de gritos de guerra, cânticos e danças.
OFERENDAS: Gosta de bebidas naturais, como garapa (caldo-de-cana) e aluá (mistura de cascas de frutas, cana e limão). Também apreciam abóbora, milho verde e frutos como o coco.
LOCAIS PREFERIDOS: Anda pelas matas e por lugares afastados dos centros urbanos.
FESTA: Coincide com as homenagens a Oxóssi (orixá das matas) no mês de janeiro e no Dia do Caboclo, comemorado em 2 de julho na Bahia.
2 - CRIANÇA:
Vítimas de doenças que se disseminaram no País, milhares de crianças teriam migrado para um mundo espiritual. Desde então, são invocadas para trazer alegria e descontração e, quando incorporadas, brincam e pedem doces.
OFERENDAS: Refrigerantes e sucos, além de doces como bolos, caramelo, rapadura e balas.
LOCAIS PREFERIDOS: Jardins e parques, geralmente acompanhadas de uma entidade adulta.
FESTA: Em setembro, junto com as homenagens aos santos católicos Cosme e Damião, com quem as crianças são sincretizadas.
3 - PRETO-VELHO:
Representa os escravos africanos do Brasil colonial que superaram os sofrimentos e, desencarnados, orientam os seres humanos na Terra. Quando incorporado, tem fala mansa, anda curvado e quase sempre fica sentado num banquinho para abençoar os filhos. É respeitado por sua humildade e sabedoria.
OFERENDAS: Gosta de café forte e vinho tinto. Também de aipim cozido, mingau de mungunzá e acarajé, entre outros quitudes africanos.
FESTA: Durante o mês de maio, principalmente no dia 13, data da Abolição da Escravatura.
4 - OUTRAS ENTIDADES ESPIRITUAIS:
No universo umbandista, os orixás simbolizam sete raios de energias que correspondem a forças da existência, como o amor, a transformação e a justiça. Cada uma dessas linhas de vibração seria habitada pelos espíritos que "baixam" nos terreiros. Os mais importantes são pretos-velhos, caboclos e crianças, que formam a tríade da Umbanda.
Há também entidades que aludem a outros segmentos sociais marginalizados, como ciganos e boiadeiros, que se desenvolveram no plano astral, vencendo as dificuldades da vida terrena. Logo abaixo, viriam os espíritos "das trevas", os exus e as pombagiras, encarregados de ajudar os humanos em questões terrenas. Conheça melhor algumas delas.
A - EXU: Brincalhão, usa roupas pretas ou vermelhas. Fuma charuto e bebe aguardente, com os quais manipula energias. Gosta da noite edas encruzilhadas e combate feitiços. Sua aparência lembra o Diabo dos cristãos.
B - POMBAGIRA: Assim como Exu, pode fazer o bem e o mal. Frequenta cemitérios e encruzilhadas. Bela e vaidosa, ajuda nos problemas sexuais e gosta de atrair homens.
C - BOIADEIRO: Jovem e másculo, doma os bois no sertão. Representa aquele que leva o rebanho como se estivesse guiando os fiéis no caminho do bem.
D - CIGANO: É conhecido pela roupa colorida, a musicalidade e a dança. Originário da Índia, viaja por todo o mundo, e, por isso, simboliza a universalidade. Seu nomadismo mostra que avida é uma eterna mudança.
E - MARINHEIRO: Sorridente, vestindo um boné de marujo, anda imitando o balanço do mar, o que simboliza seu controle sobre o ritmo da vida. Com palavras macias e diretas, ensina as pessoas a saírem dos mares bravios.
Por Débora Didonê - Revista Religiões
10/12/15-MT
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