Feitiços Africanos
Iyami Oxorongá
Quando se pronuncia o nome de Iyami Oxorongá
quem estiver sentado deve se levantar, quem estiver de pé fará uma reverência
pois esse é um temível Orixá, a quem se deve respeito completo.
Pássaro africano, Oxorongá emite um som
onomatopaico de onde provém seu nome. É o símbolo do Orixá Iyami, ai o vemos em
suas mãos. Aos seus pés, a coruja dos augúrios e presságios. Iyami Oxorongá é a
dona da barriga e não há quem resista aos seus ebós fatais, sobretudo quando
ela executa o Ojiji, o feitiço mais terrível. Com Iyami todo cuidado é pouco, ela exige o máximo respeito. Iyami
Oxorongá, bruxa é pássaro.
As ruas, os caminhos, as encruzilhadas
pertencem a Esu. Nesses lugares se invoca a sua presença, fazem-se sacrifícios,
arreiam-se oferendas e se lhe fazem pedidos para o bem e para o mal, sobretudo
nas horas mais perigosas que são ao meio dia e à meia-noite, principalmente
essa hora, porque a noite é governada pelo perigosíssimo odu Oyeku Meji.
À meia-noite ninguém deve estar na rua,
principalmente em encruzilhada, mas se isso acontecer deve-se entrar em algum
lugar e esperar passar os primeiros minutos. Também o vento (afefe) de que Oya
ou Iansan é a dona, pode ser bom ou mau, através dele se enviam as coisas boas
e ruins, sobretudo o vento ruim, que provoca a doença que o povo chama de
"ar do vento".
Ofurufu, o firmamento, o ar também desempenha
o seu papel importante, sobretudo á noite, quando todo seu espaço pertence a
Eleiye, que são as Ajé, transformadas em pássaros do mal, como Agbibgó, Elùlú,
Atioro, Osoronga, dentre outros, nos quais se transforma a Ajé-mãe, mais
conhecida por Iyami Osoronga. Trazidas ao mundo pelo odu Osa Meji, as Ajé,
juntamente com o odu Oyeku Meji, formam o grande perigo da noite. Eleiye voa
espalmada de um lado para o outro da cidade, emitindo um eco que rasga o
silêncio da noite e enche de pavor os que a ouvem ou vêem.
Todas as precauções são tomadas. Se não se sabe como aplacar sua fúria ou
conduzí-la dentro do que se quer, a única coisa a se fazer é afugentá-la ou
esconjurá-la, ao ouvir o seu eco, dizendo Oya obe l’ori (que a faca de Iansã
corte seu pescoço), ou então Fo, fo, fo (voe, voe, voe).
Em caso contrário, tem-se que agradá-la,
porque sua fúria é fatal. Se é num momento em que se está voando, totalmente
espalmada, ou após o seu eco aterrorizador, dizemos respeitosamente A fo fagun wo’lu ( [saúdo] a que voa
espalmada dentro da cidade), ou se após gritar resolver pousar em
qualquer ponto alto ou numa de suas árvores prediletas, dizemos, para agradá-la
Atioro bale sege sege ([saúdo] Atioro que pousa elegantemente) e assim uma
série de procedimentos diante de um dos donos do firmamento à noite.
Mesmo agradando-a não se pode descuidar,
porque ela é fatal, mesmo em se lhe felicitando temos que nos precaver.
Se nos referimos a ela ou falamos em seu nome
durante o dia, até antes do sol se pôr, fazemos um X no chão, com o dedo
indicador, atitude tomada diante de tudo que representa perigo. Se durante à noite corremos a mão espalmada, à altura da cabeça, de um
lado para o outro, afim de evitar que ela pouse, o que significará a morte.
Enfim, há uma infinidade de maneiras de proceder em tais circunstâncias.
(Do livro
"Mural dos Orixás" de Caribé e texto de Jorge Amado - Raízes Artes
Gráficas)
Iyami Oshorongá é o termo que designa as terríveis
ajés, feiticeiras africanas, uma vez que ninguém as conhece por seus nomes. As
Iyami representam o aspecto sombrio das coisas: a inveja, o ciúme, o poder pelo
poder, a ambição, a fome, o caos o descontrole. No entanto, elas são capazes de
realizar grandes feitos quando devidamente agradadas. Pode-se usar os ciúmes e
a ambição das Iyami em favor próprio, embora não seja recomendável lidar com
elas.
O poder de Iyami é atribuído às mulheres velhas, mas
pensa-se que, em certos casos, ele pode pertencer igualmente a moças muito
jovens, que o recebem como herança de sua mãe ou uma de suas avós.
Uma mulher de qualquer idade poderia também
adquiri-lo, voluntariamente ou sem que o saiba, depois de um trabalho feito por
alguma Iyami empenhada em fazer proselitismo.
Existem também feiticeiros entre os homens, os oxô,
porém seriam infinitamente menos virulentos e cruéis que as ajé (feiticeiras).
Ao que se diz, ambos são capazes de matar, mas os
primeiros jamais atacam membros de sua família, enquanto as segundas não
hesitam em matar seus próprios filhos. As Iyami são tenazes, vingativas e
atacam em segredo. Dizer seu nome em voz alta é perigoso, pois elas ouvem e se
aproximam pra ver quem fala delas, trazendo sua influência.
Iyami é freqüentemente denominada eleyé, dona do
pássaro. O pássaro é o poder da feiticeira; é recebendo-o que ela se torna ajé.
É ao mesmo tempo o espírito e o pássaro que vão fazer os trabalhos maléficos.
Durante as expedições do pássaro, o corpo da
feiticeira permanece em casa, inerte na cama até o momento do retorno da ave.
Para combater uma ajé, bastaria, ao que se diz, esfregar pimenta vermelha no
corpo deitado e indefeso. Quando o espírito voltasse não poderia mais ocupar o
corpo maculado por seu interdito.
Iyami possui uma cabaça e um pássaro. A coruja é um
de seus pássaros. É este pássaro quem leva os feitiços até seus destinos. Ele é
pássaro bonito e elegante, pousa suavemente nos tetos das casas, e é
silencioso.
"Se ela diz que é pra matar, eles matam, se ela
diz pra levar os intestinos de alguém, levarão".
Ela envia pesadelos, fraqueza nos corpos, doenças, dor de barriga, levam embora os olhos e os pulmões das pessoas, dá dores de cabeça e febre, não deixa que as mulheres engravidem e não deixa as grávidas darem à luz.;
Ela envia pesadelos, fraqueza nos corpos, doenças, dor de barriga, levam embora os olhos e os pulmões das pessoas, dá dores de cabeça e febre, não deixa que as mulheres engravidem e não deixa as grávidas darem à luz.;
As Iyami costumam se reunir e beber juntas o sangue
de suas vítimas. Toda Iyami deve levar uma vítima ou o sangue de uma pessoa à
reunião das feiticeiras. Mas elas têm seus protegidos, e uma Iyami não pode
atacar os protegidos de outra Iyami.
Iyami Oshorongá está sempre encolerizada e sempre
pronta a desencadear sua ira contra os seres humanos. Está sempre irritada,
seja ou não maltratada, esteja em companhia numerosa ou solitária, quer se fale
bem ou mal dela, ou até mesmo que não se fale, deixando-a assim num
esquecimento desprovido de glória. Tudo é pretexto para que Iyami se sinta
ofendida.
Iyami é muito astuciosa; para justificar sua cólera,
ela institui proibições. Não as dá a conhecer voluntariamente, pois assim
poderá alegar que os homens as transgridem e poderá punir com rigor, mesmo que
as proibições não sejam violadas. Iyami fica ofendida se alguém leva uma vida
muito virtuosa, se alguém é muito feliz nos negócios e junta uma fortuna
honesta, se uma pessoa é por demais bela ou agradável, se goza de muito boa
saúde, se tem muitos filhos, e se essa pessoa não pensa em acalmar os
sentimentos de ciúme dela com oferendas em segredo. É preciso muito cuidado com
elas. E só Orunmilá consegue acalmá-la .
Donas de um axé tão poderoso como o de
qualquer Orixá, as Iyá-Mi tiveram o seu culto difundido por sociedades secretas
de mulheres e são as grandes homenageadas do famoso festival Gèlèdè, na
Nigéria, realizado entre os meses de Março e Maio, que antecedem o início das
chuvas do país, remetendo imediatamente para um culto relacionado à
fertilidade.
As iyá-Mi tornaram-se conhecidas como as
senhoras dos pássaros e a sua fama de grandes feiticeiras associou-as à
escuridão da noite; por isso também são chamadas Eleyé, e as corujas são os
seus principais símbolos.
A sua relação
mais evidente é com o poder genital feminino, que é o aspecto que mais aproxima
a mulher da natureza, ou seja, dos acontecimentos que fogem à explicação e ao
controle humano. Toda a mulher é poderosa
porque guarda um pouco da essência das Iyá-Mi; a capacidade de gerar filhos,
expressa nos órgãos genitais femininos, assustou sempre os homens.
As mães são compreendidas como a origem da
humanidade e o seu grande poder reside na decisão que tomar sobre a vida de
seus filhos. É a mãe que decide se o filho deve ou não nascer e, quando ele
nascer, ainda decide se ele deve viver.
Iyá-Mi é a sacralização da figura materna, por
isso o seu culto é envolvido por tantos tabus. O seu grande poder deve-se ao
fato de guardar o segredo da criação.
Tudo o que é redondo remete ao ventre e, por consequência, às Iyá-Mi. O poder
das grandes mães é expresso entre os orixás por Oxum, Iemanjá e Nanã Buruku,
mas o poder de Iyá-Mi é manifesto em toda a mulher, que, não por acaso, em
quase todas as culturas, é considerada tabu.
As denominações de Iyá-Mi expressam as suas
características terríveis e mais perigosas e por essa razão os seus nomes nunca
devem ser pronunciados; mas quando se disser um dos seus nomes, todos devem
fazer reverencias especiais para aplacar a ira das Grandes Mães e,
principalmente, para afugentar a morte.
As feiticeiras mais temidas entre os Iorubas e
no Candomblé são as Àjé e, para se referir a elas sem correr nenhum risco, diga
apenas Eleyé, Dona do Pássaro.
O aspecto mais
aterrador das Iyá-Mi e o seu principal nome, com o qual se tornou conhecida nos
terreiros, é Osorongá, uma bruxa terrível que se transforma no pássaro do mesmo
nome e rompe a escuridão da noite com o seu grito assustador.
As Iyá-Mi são as senhoras da vida, mas o
corolário fundamental da vida é a morte. Quando devidamente cultuadas,
manifestam-se apenas no seu aspecto benfazejo, são o grande ventre que povoa o
mundo. Não podem, porém, ser esquecidas; nesse caso lançam todo o tipo de
maldição e tornam-se senhoras da morte.
O lado bom de
Iyá-Mi é expresso em divindades de grande fundamento, como Apaoká, a dona da
jaqueira, a verdadeira mãe de Oxóssi. As Iyá-Mi, juntamente com Exú e os ancestrais, são evocadas nos ritos
de Ipadé, um complexo ritual que, entre outras coisas, ratifica a grande
realidade do poder feminino na hierarquia do Candomblé, denotando que as
grandes mães é que detém os segredos do culto, pois um dia, quando deixarem a
vida, integrarão o corpo das Iyá-Mi, que são, na verdade, as mulheres
ancestrais.
Eleiye voa espalmada(com as asas totalmente aberta)
de um lado para o outro da cidade, emitindo um eco que rasga o silêncio da
noite e enche de pavor os que a ouvem ou vêem. Todas as precauções são tomadas.
Se não se sabe como aplacar sua fúria ou conduzí-la dentro do que se quer, a
única coisa a se fazer é afugentá-la ou esconjurá-la, ao Fo, fo, fo (voe, voe,
voe). Em caso contrário, tem-se que agradá-la, porque sua fúria é fatal. Se é
num momento em que se está voando, totalmente espalmada, ou após o seu eco
aterrorizador, dizemos respeitosamente A fo fagun wo’lu ( [saúdo] a que voa
espalmada dentro da cidade)
Pousar em qualquer ponto alto ou numa de suas árvores prediletas, dizemos, para agradá-la Atioro bale sege sege ([saúdo] Atioro que pousa elegantemente) e assim uma série de procedimentos diante de um dos donos do firmamento à noite. Mesmo agradando-a não se pode descuidar, porque ela é fatal, mesmo em se lhe felicitando temos que nos precaver. Se nos referimos a ela ou falamos em seu nome durante o dia, até antes do sol se pôr, fazemos um X no chão, com o dedo indicador, atitude tomada diante de tudo que representa perigo. Se durante à noite corremos a mão espalmada, à altura da cabeça, de um lado para o outro, afim de evitar que ela pouse, o que significará a morte.
A virtude de poder trazer filhos ao mundo que
têm as mulheres, um fato quase mágico, maravilhoso que as acerca ao divino, é e
foi também motivo de temor em muitos povos antigos, algo que era inexplicável,
pelo qual as mulheres sempre foram vistas como possuidoras de certo poder
especia
Fala-se da famosa "intuição
feminina", mas mais do que nada, em todas as culturas há uma tendência a
transformá-la em "bruxa", no sentido de crer que tem poderes inatos
para comunicar-se com forças além do alcance do entendimento do homem. O mito
da "bruxa" que voa na vassoura acompanhada por pássaros macabros é
quase mundial, com pequenas diferenças segundo o lugar do mundo do qual falemos
Também se relaciona a fecundidade com o
misterioso sangue menstrual, que é a marca que pauta a conversão da menina numa
mulher, daí em mais será considerada também uma Iyami, aquela que em qualquer
momento deixará de ter a regra, inchando-se o ventre, revelando que tinha em
seu interior a "cabaça da existência", o caminho pelo qual todos vêm
do Orun para o Aye. Mais para confirmar dita transformação em
"mulher", levam-se a cabo os "ritos de passagem" nos que as
meninas-mulheres estarão isoladas durante vários dias, alimentadas e vestidas
de um modo especial, onde conhecerão todos os segredos relacionados com as
mulheres, os que serão devidamente dados pelas anciãs de sua comunidad
Os ritos assegurarão entre outras coisas que
seja possuidora de uma "cabaça” fértil e o alinhamento de seu lado
espiritual feminino com seu corpo, convertendo-a numa mulher em todo sentido
Ao ler os mitos sobre as Iá Mi Oxorongá
tem-se uma sensação de medo infantil diante de um poder imenso e terrível. Esse
medo vem, em grande parte, da incompreensão e do mistério que cerca as Mães
Ancestrais e, em pequena parte, da sensação de pequenez e impotência que
arrebata quem tenta lidar com sua imagem grandiosa. O psicólogo Carl Gustav
Jung (1875-1961) afirmava que a imagem da Mãe está profundamente arraigada na
psiquê humana e encontra-se difundida em diferentes mitos e religiões em todo o
mundo, como um arquétipo.4 Pode-se citar, por exemplo, a
infinidade de estatuetas feitas em diversos materiais, chamadas Vênus, datadas desde o período
Neolítico e identificadas como divindades femininas da fertilidade. Também a
aproximação entre as narrativas míticas das deusas primitivas e a semelhança de
representações artísticas e concepções religiosas da Mãe com seu Filho – a
figura da Maria com o menino Jesus é o exemplo emblemático deste arquétipo no
Cristianismo e associa-se diretamente com a deusa Ísis e seu filho Horus do
Egito. Todas estas formas prestam tributo à súbita formação de um novo ser, a
partir da sua mãe.
Em África o
culto às mães ancestrais encontra-se, de maneira geral, ligado ao chamado
“culto aos antepassados”, identificado pelos especialistas em quase todo o continente. Os ancestrais
mortos serviriam como mediadores entre a comunidade e o mundo sobrenatural.
Proveriam acesso à orientação espiritual e poder. A morte não seria condição
suficiente para se tornar um ancestral. Somente aqueles que viveram plenamente,
cultivaram valores morais, e conseguiram distinção social poderiam alcançar
este status. Os ancestrais
estão aptos a repreender àqueles que negligenciam ou quebram a ordem moral,
causando problemas aos seus descendentes errantes através de doenças ou má
sorte, até que a reparação seja feita.5 Por exemplo, quando
estouram epidemias sérias, assume-se que a causa está traçada no conflito
interpessoal e social. Apresenta-se, um dilema moral, tanto quanto uma crise
biológica. A necessidade de expulsar o mal da comunidade transforma-se em uma
ação coletiva que deverá ser, necessariamente, acompanhada com rituais de
purificação.
A
característica de velhas-feiticeiras está
ligada à concepção africana de que a sabedoria e acúmulo de poder só vêm com a
idade, com a experiência de vida. Assim, as Mães Ancestrais por ter vivido muito tempo, por conhecerem os
segredos da vida, são feiticeiras, ou seja, podem manipular através da magia, o
nascimento e a morte. Possuir o poder de controlar a vida tem dois aspectos,
pode-se utilizá-lo tanto para o bem quanto para o mal. Não há um código moral
dicotômico que proíba as Iá Mi de fazerem o que lhes agrade. No mito de Odudua,
o motivo usado como justificativa para a sua perda de poder seria o abuso
deste.
Porém, percebe-se que o poder das Iá Mi,
representa o próprio poder criador, criativo, que para trazer o novo, precisa
destruir o velho. É a própria ordem natural, o ciclo de vida e morte que é a
síntese do poder feminino. Segundo Ronilda Iyakemi Ribeiro “as Iya-agba (as anciãs, pessoas de idade,
mães idosas e respeitáveis), também chamadas Agba, Iyami (minha mãe), Iyami
Osoronga (minha mãe Oxorongá) Ajé, Eleye (Senhora dos pássaros), representam os
poderes místicos da mulher em seu duplo aspecto – protetor e generoso/perigoso
e destrutivo”28 . Relacionadas às Iá Mi nesse seu
aspecto de ancestrais femininas, Ribeiro relaciona Nanã, Oxum, Iyami-Akoko –
mãe ancestral suprema e Iemanjá, como poder genitor.
O medo provocado pelas mães ancestrais, devido
ao seu grande poder e a forma com que ele é utilizado por elas, torna sua
figura impiedosa e temida, pois a sua cólera e o seu ódio são terríveis.
Pode-se interpretar de outra maneira a cólera das Iá Mi.
Segundo Verger,
a feitiçaria cumpre em várias culturas uma função de moderador social. “Cada vez que alguém se eleva, a
feitiçaria está lá para o abaixar”. Assim, também as Iá Mi, como feiticeiras, “através de sua ação, [ela] exerce um papel moderador contra os excessos
de poder; mediante suas intervenções, ela contribui para garantir uma
repartição mais justa das riquezas e das posições sociais; ela impede que um
sucesso por demais prolongado permita a certas pessoas controlar exageradamente
umas e outras”29. A constante cólera seria, dessa forma, uma
explicação para os males sociais e de seus remédios, como também uma explicação
da inquietude e da angústia metafísica.
Segundo Pierre Verger22, a
feitiçaria é considerada anti-social em muitas culturas, porém, na sociedade
iorubá tradicional, as ajés (feiticeiras)
não são execradas, mas constituem um dos pilares essenciais da comunidade.
Evita-se falar mal delas abertamente, pois possuem uma força agressiva
perigosa. É preciso ter para com elas uma atitude de prudente reserva. Assim,
ignora-se o verdadeiro nome das ajés, e preferencialmente chamam-nas Iyami Osorongá (Minha Mãe
Oxorongá). Assim são descritas:“mulheres
velhas, proprietárias de uma cabaça que contém um pássaro. Elas mesmas podem se
transformar em pássaros, organizando entre si reuniões noturnas na mata, para
saciar-se com o sangue de suas vítimas, e dedicando-se a trabalhos maléficos
variados”. Segundo o mito: “Iyami,
divindade decaída, nossa mãe chamada Odu quando vem ao mundo com poder sobre os
orixás
simbolizado por eye
(pássaro) ela se torna eleye (proprietária do poder do pássaro). Recebe também
uma cabaça (imagem do mundo e repositório de seu poderio). Tendo abusado desse
poder perde a cabaça para Orixalá – seu companheiro masculino que veio ao mundo
ao mesmo tempo em que ela. Ele exercerá o poder, mas ela conservará o controle”.24 Iá Mi também é o “poder”
atribuído às mulheres velhas ou moças muito jovens que o teriam recebido como
herança de sua mãe ou de uma de suas avós. Qualquer mulher pode conseguir esse
poder, voluntariamente ou sem que o saiba, após um trabalho feito por uma Iá
Mi, que queira fazer proselitismo.
Tem-se também na origem mítica das Iá Mi a
questão da geminidade. Nas religiões africanas o corpo humano é concebido como
o gêmeo do corpo cósmico; a geminidade é um tema predominante em muitos mitos e
rituais da África Ocidental. De acordo com a cosmogonia dividida entre os
Dogon, Bambara, e povos Malinke do Mali, os seres primordiais eram gêmeos.
Gêmeos representam o ideal. Muitos indivíduos dividem a estrutura da
geminidade, na qual a placenta acredita-se ser o lócus de um único destino e
alma gêmea. Seguido ao nascimento, a placenta é lavada e enterrada no cemitério
familiar na primeira semana de vida da criança. Entre os Ashanti de Gana,
gêmeos são permanentemente assegurados com um status especial, como santuários viventes, porque portam
como um sinal de abundante fertilidade, eles são repositórios do sagrado. Para
os Ndembu da República Democrática do Congo, ao contrário, os gêmeos
representam um excesso de fertilidade mais característico do mundo animal que
do humano, e rituais são realizados para proteger a comunidade desta condição
anômala.25 O principal poder das Iá Mi Oxorongá que precisa ser
controlado é o de dar a vida e o de tirá-la. Os aspectos de tal poder estão
distribuídos entre os orixás femininos mais cultuados no Brasil, Iemanjá, Oxum
e Iansã. Nanã Buruku e Odudua (que pode ser feminino ou masculino) também estão
ligadas às Mães Ancestrais.
Análise do Mito:
No primeiro
bloco de sentido numerado de 1-10, vemos que as Iá Mi são as feiticeiras (ajés)
e não orixás, ou seja, são as primeiras “mães da espécie humana”, ligadas às
origens do mundo através do mito de Odudua ou Odu (a Terra), companheira de
Obatalá (o Céu), dentro da concepção da geminidade.
No
princípio de tudo, não havia separação entre os dois, o casal primordial vivia
apertado dentro de uma cabaça27. Eles se separaram ao brigarem pelo
poder (os anéis), que representa a luta entre os dois pólos, um construtivo (axé) e outro destrutivo (Iá Mi). Esse mito também representa o jogo de poder
entre o masculino e o feminino, o patriarcado e o matriarcado lutando pelo
controle da comunidade. Em última instância, a luta entre a ordem social e o
caos primitivo.
A
característica de velhas-feiticeiras está
ligada à concepção africana de que a sabedoria e acúmulo de poder só vêm com a
idade, com a experiência de vida. Assim, as Mães Ancestrais por ter vivido muito tempo, por conhecerem os
segredos da vida, são feiticeiras, ou seja, podem manipular através da magia, o
nascimento e a morte.
Possuir
o poder de controlar a vida tem dois aspectos, pode-se utilizá-lo tanto para o
bem quanto para o mal. Não há um código moral dicotômico que proíba as Iá Mi de
fazerem o que lhes agrade. No mito de Odudua, o motivo usado como justificativa
para a sua perda de poder seria o abuso deste.
Porém, percebe-se que o poder das Iá Mi,
representa o próprio poder criador, criativo, que para trazer o novo, precisa
destruir o velho. É a própria ordem natural, o ciclo de vida e morte que é a
síntese do poder feminino. Segundo
Ronilda Iyakemi Ribeiro “as
Iya-agba (as anciãs, pessoas de idade, mães idosas e respeitáveis), também
chamadas Agba, Iyami (minha mãe), Iyami Osoronga (minha mãe Oxorongá) Ajé,
Eleye (Senhora dos pássaros), representam os poderes místicos da mulher em seu duplo aspecto –
protetor e generoso/perigoso e destrutivo”28 . Relacionadas
às Iá Mi nesse seu aspecto de ancestrais femininas, Ribeiro relaciona Nanã,
Oxum, Iyami-Akoko – mãe ancestral suprema e Iemanjá, como poder genitor.
O medo provocado pelas mães ancestrais, devido
ao seu grande poder e a forma com que ele é utilizado por elas, torna sua
figura impiedosa e temida, pois a sua cólera e o seu ódio são terríveis.
Pode-se interpretar de outra maneira a cólera das Iá Mi. Segundo Verger, a
feitiçaria cumpre em várias culturas uma função de moderador social. “Cada vez que alguém se eleva, a
feitiçaria está lá para o abaixar”. Assim, também as Iá Mi, como
feiticeiras, “através de sua ação,
[ela] exerce um papel moderador contra os excessos de poder; mediante suas
intervenções, ela contribui para garantir uma repartição mais justa das
riquezas e das posições sociais; ela impede que um sucesso por demais
prolongado permita a certas pessoas controlar exageradamente umas e outras”29.
A constante cólera seria, dessa forma, uma explicação para os males sociais e
de seus remédios, como também uma explicação da inquietude e da angústia
metafísica.
O poder das Iá Mi, ao ser colocado em oposição com o poder dos orixás (axé),
como “única arma do homem” de proteção, remete novamente ao mito de Odudua, que
perde seu poder para Oxalá.
Encontra-se em vários mitos de outros orixás
femininos referências de como as mulheres perderam seu poder para os homens.
Exemplo disso é um dos mitos de Ogum, que conta a estória de como “Ogum
conquista para os homens o poder das mulheres” [47]30. Este mito
narra que no começo do mundo as mulheres tinham o “poder” (político) e o
“segredo” (religioso). Iansã era a possuidora do mistério das sociedades dos
egunguns (culto dos antepassados); junto com suas companheiras humilhavam seus
maridos, comparando-os com macacos. Ogum e os outros homens, então cansados
dessas humilhações, resolvem acabar com isso. Ogum veste-se de guerreiro e
assusta as mulheres que fogem. Iansã também fica com medo da figura de Ogum que
demonstra tanta violência; e é a primeira a fugir. O poder passa a pertencer
aos homens, que tomam posse do segredo das sociedades egunguns. Iansã continua
como Rainha do culto, mas perde o poder de decisão dentro da comunidade. O axé,
como referência ao poder masculino, torna-se a proteção contra as mães,
submete-se o poder feminino. Este, porém, ainda precisa ser respeitado e
venerado. Iansã perde seu posto de comando, mas continua sendo a chave do
culto.
Segundo Verger: “isso tende a mostrar que para os yorubá o poder (axé) de Iyami não é
em si, nem bom, nem mau, nem moral, nem perverso, a única coisa que importa é o
modo como o axé é empregado”31. O poder deve ser utilizado
com calma e discrição, foi por não respeitar esse preceito que Iyá Agbá perdeu o domínio do
mundo.
Iyami Oxorongá
Todos os ancestrais femininos, as Ìyagbà ou
Ìyámi, têm sua instituição em sociedades como Egbé Eleye, Egbé Ògbóni e Egbé
Gèlèdé, consideradas secretas pelo fato de os seus conhecimentos serem
transmitidos apenas a iniciados. As Iyami Oxorongá representam o poder
ancestral feminino e os elementos místicos da mulher em seu duplo aspecto:
protetor e generoso, perigoso e destrutivo. Todos os orixás femininos são
detentores deste poder.
As Iyami são zeladoras da existência e
guardiãs do destino: por isso sua boa vontade, essencial à continuidade da vida
e da sociedade, deve ser cultivada. Pertencem a um grupo de seres espirituais
chamados Ajogùn, cujas funções incluem carregar o ebó para alimentar-se dele
ou, mais precisamente, do sofrimento humano do qual está impregnado. Ao
processarem as energias dos ebós, possibilitam a cura, a superação de
dificuldades e a atração de bens necessários. Sua relação com os poderes
mágicos lhes possibilita também neutralizar os efeitos negativos de
pensamentos, palavras e ações destrutivas que uma pessoa dirija contra outra ou
contra si mesma. A presença e a influência de Iyami no jogo oracular é fundamental,
pois se manifestam em todos os odus e, sendo parceiras deles, têm como
ajudá-los a comunicar-se entre si. Parceiras também de Exu e dos demais orixás,
indicam com eles os ebós necessários para cada situação, sendo de competência
comum a todos a tarefa de transportá-los.
No aiye as Iyami trabalham para colocar ordem
no conhecimento e na sabedoria dos seres, e transmitem isso ao orum através de
assentamentos já consagrados a elas, de iniciações e da realização de
constantes oferendas e ebós. A partir do momento em que se estabelece uma
ligação com Iyami, adquire-se melhores condições para atingir objetivos e
concretizar ideais.
A natureza, que
inclui os seres humanos, possui uma ligação energética entre os mundos visível
e invisível e recebe o toque divino das Mães.
Água, ar, terra e fogo constituem elementos
através dos quais se pode chegar a elas. Assim sendo, pode-se evocá-las com
água, obi e orobô em rios, mares, encruzilhadas, estradas, ao pé de um peregun,
na mata ou no quintal de casa, entre tantos locais possíveis, dado o fato de
pertencerem à natureza, particularmente à terra.
As mulheres pertencentes ao grupo de devotos
das Iyami são chamadas Ìyá-Agbà ou Ìya Aiyé (Mães do Universo, Mães Anciãs ou
Veneráveis Mães Anciãs); os homens são chamados de Òsó (Bruxo, Feiticeiro).
Ambos ficam atribuídos do poder de manipular o destino humano através de
rituais de consagração. A aquisição do poder das Iyami ocorre pelo nascimento,
por herança e pela iniciação. Esta última pode proporcionar a proteção delas
para o iniciado e seus familiares e amigos mais próximos e pode, num grau mais
elevado, permitir a transmutação física, embora exclusivamente no caso de
mulheres. Diz o provérbio que o filho de Iyami tem dois ouvidos, dois olhos e
uma única boca, para ouvir e ver bem mais do que falar. Falar sobre as Mães
inspira a sensação de poder e sabedoria, muitas vezes equivocada, porque um
devoto que não saiba proteger e preservar a força e os segredos confiados a ele
será vencido facilmente. Falar sobre elas é uma tarefa desafiadora porque exige
cumplicidade entre quem fala e quem ouve e uma responsabilidade rara das
pessoas em relação ao uso que fazem das palavras. Por isso, durante a
iniciação, as pessoas se comunicam o mínimo necessário.
Os iniciados em
Iyami possuem as marcas simbólicas das Mães em seu corpo e podem sentí-las até
mesmo fisicamente. Essas marcas indicam sinais de nobreza.
Os
devotos das Mães muitas vezes acabam se tornando líderes. Deles exige-se
postura séria e rigorosa e uma auto-educação para que não fiquem mencionando o
poder delas. Pessoas indiscretas ou que se considerem poderosas não devem
cultuá-las, pois sua postura afasta o poder das Mães. Tolerância e paciência,
qualidades do sábio, são os principais meios de se venerar Iyami e aos demais
orixás. O devoto das Mães deve ser verdadeiro, leal, fiel e respeitoso para
criar espaços onde elas possam viver e atuar. As Iyami têm o poder de tornar o
tempo favorável ou desfavorável, podendo provocar morte prematura ou prolongar
a vida: a capacidade de trabalhar com seus poderes para atuar sobre a duração
da existência, entretanto, é
privilégio de poucos sacerdotes.
FONTE:PROF KING
(CENTRO CULTURAL ODUDUWA)
Em, 15/02/15 - MT